Espaço de atividade literária pública e memória cronista

sexta-feira, 14 de abril de 2017

Crónica de Remembranças Pascais


Chegada a quadra da Páscoa, como que adoçando a boca do interesse público por loas do espírito humanista com amêndoas e ovos de Páscoa da recordação, em letra de forma, junta-se umas gemas literárias a forrar a forma do pão de ló caseiro com mais um artigo escrito por estes dias pelo autor destas linhas, também, e publicado no Semanário de Felgueiras.


Da respetiva crónica, saída a público em dia de sexta-feira santa, coloca-se aqui o texto chegado ao público na edição deste dia 14, antecedendo a Páscoa: 


Arca de Folar Pascal

Há sempre uma arca de nossas recordações, algures nos arcanos da memória. Onde, em espaço guardado de lembranças, mais tarde damos valor ao que aí juntamos. Seja numa arca que houve nalgum sítio de nossa vida e permanece presente na retina visualizada em nosso cérebro, quer como numa perspetiva figurativa, qual baú de memórias ternas e eternas.

Voando nas asas do tempo, como que recuando a épocas passadas, uma arca representa desde logo um acervo temporal, à medida de tempo cronológico. Conforme, deambulando por curiosidades regionais e memorizações locais, vem a talhe. Como as arcas eram bem talhadas, além de reforçadas com aldrabas. E sobrevêm à mente, em período de proximidade à Páscoa, as arcas onde se guardavam folares para afilhados e doçarias para filhos pequenos, quando não já os netos – como, por exemplo, é recordado no livro “Memórias do Capitão”, por João Sarmento Pimentel, referindo a arca onde sua avó Francisca, a matriarca da família Pimentel da Torre, em Rande, guardava cavacas de Margaride, ainda em período final do século XIX. Tal como em qualquer casa da região havia arcas, que o povo chamava modestamente caixas, nas quais se guardavam também as roscas de pão fino que seriam no dia de Páscoa dadas aos afilhados e crianças do meio familiar, as entrançadas regueifas que a criançada depois levava por vezes a tiracolo a acompanhar o Compasso, até na hora do almoço pousar na mesa familiar para acompanhar as batatas do forno do tradicional prato guarnecido de carnes de galo e coelho, pela festa de ano de Aleluia. Enquanto em casas mais tais, como dizia o povo, havia algo mais em arcas forradas com alvas toalhas de linho, que lá dentro tinham o tradicional pão de ló da Páscoa, para pôr na mesa de boas vindas ao Compasso Pascal, quando não ainda cavacas e pão pôdre de Margaride, lérias de Amarante, amores de Penafiel, rosquilhos das romarias, damas da Longra e outras doçarias.


Por outro lado há sempre em nós uma arca de lembranças, fiel depositária de memórias, como algo do que as arcas de madeira são lembradas. Desde nossos primeiros afetos, até ao que mais lembre. Sim, como pessoalmente (passando a narrar na primeira pessoa) ainda guardo intimamente o que me faz evocar meus primeiros amores… a minha mãe, a quem desde primeiras imagens guardadas cá dentro recordo como me segurava, quão me lembro tenuemente, ainda mal andava já me agarrava a ela, então à sua saia e avental, sentindo-me amparado; e a meu pai, parecendo ainda andar levemente sobre seus pés, pousado nos seus sapatos de cotio, conforme ele me transportava a brincar, e me falta agora sua presença para puxar memórias de seus tempos, também. Entre sensações que perduram, qual calor debaixo do cobertor da infância.

Nestes tempos pascais o tilintar da campainha do Compasso transporta-nos à sineta da saudade, também. Podendo parecer demasiado recordar-se amiúde esses tempos e nossos antepassados, mas naturalmente lembramo-nos de quem gostamos, e tudo que representa boa memória. Atapetando o que ainda vemos, do que nos vem à ideia, qual imagem como antigamente se faziam tapetes de flores à entrada das casas para receber o Compasso, indicando a entrada e enfeitando o ambiente, na amplitude do encantamento vivido por tempos que marcaram épocas e sensibilidades.


A Páscoa está aí, neste tempo de renovação da natureza e novo desabrochar da vida, mais uma vez. Como em anos passados, agora revigorando a atual existência. Podendo, quantas vezes, nem se saber bem na generalidade a diferença que faz haver estas quadras de ano, mas haverá sempre diversidade de convicções em se poder sonhar com o que gostamos. E a vida sem algo sublime não faria sentido. Tal como a Páscoa representa a vitória da vida sobre a morte, na celebração da eternidade.


ARMANDO PINTO
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