Espaço de atividade literária pública e memória cronista

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Júlio Dinis: Clássico da literatura portuguesa com afinidades felgueirenses...


Antigamente, como quem diz pelos finais dos anos sessentas e princípios da década de setenta, no século XX naturalmente, os estudantes de ensino liceal, sobretudo, andavam com uma capa, pequena capa de couro, a envolver os livros de estudo que levavam e traziam das aulas. Normalmente com a figura dum dos escritores clássicos da literatura portuguesa. Coisa anterior às mochilas de agora, e que naquele tempo eram moda leve, pois não convinha andar com muito peso. Sendo que a capa do autor destas linhas de recordação tinha a figura de Júlio Dinis em relevo.


Ora, Júlio Dinis, a par com Camilo Castelo Branco e também Eça de Queirós, era um dos favoritos de nossa apreciação literária. E como se sabe que ficou ligado memorialmente a Felgueiras, mais atenção merece sempre, de facto. Como há anos registamos em crónicas no Semanário de Felgueiras.

Pois então, o Dr. Joaquim Guilherme Gomes Coelho, que em sua escrita literária usou o pseudónimo de Júlio Dinis, nascido no Porto, na antiga Rua do Reguinho, a 14 de novembro de 1839, faleceu na mesma cidade portucalense, à Rua Costa Cabral, numa casa que já não existe, a 12 de setembro de 1871 (faz anos agora, quando se evoca sua memória, neste caso). E, embora sem que tenha aludido diretamente o nome da terra, Felgueiras, há constatações de haver certa relação, pois que se sabendo ao certo que passou algumas temporadas na então vila de Felgueiras (na Casa do Curral, do seu amigo Dr. Magalhães Lemos), como tal deve ter sido influenciado por esse caso nalgumas passagens da sua obra literária.

Ressoa na tradição, transmitida pelos tempos fora, voz popular a dizer que aquele vulto da escrita foi inspirado no ambiente Felgueirense que apreciou, assim como possa haver escrito páginas neste remanso que lhe serviu de descanso retemperador de maleitas. Sem que isto possa confirmar a possibilidade de o escritor ter efetuado em Felgueiras qualquer parte da sua escrita em fase ordenada, mas que deve ter tomado anotações para posterior compilação entre o que memorizou de facetas que mais tarde discorreu. Nota-se na verdade o facto pelo que descreve nalguns romances, mormente em cenas campesinas mesmo coincidentes com esta região. Apesar de ser natural e residente do Porto, além de ter vivido algum tempo em Ovar, assim como noutras terras onde parou temporariamente, deixa transparecer forte ligação a esta zona interior nalgumas das suas novelas. Fazendo com que caiam pela base ideias de alguns seus biógrafos, atribuindo os aspetos rurais ao Minho, uns (talvez pela familiaridade de Entre Douro e Minho e ligação antiga), e outros à Beira Litoral, quando, por exemplo, casos há cujas escassas alusões das histórias descritas se passam no Douro Litoral, como se percebe nas páginas da “Morgadinha dos Canaviais”, espécime sublime de crónica de aldeia, sobretudo. Acontece até que nesse tempo a divisão administrativa era diferente, sendo então Felgueiras do Minho, pois só na década de trinta, do século XX, a partir de 1936, houve a separação do antigo Entre Douro e Minho, a nível civil (já que no âmbito religioso foi em 1881 que Felgueiras passou para a diocese do Porto). E quanto à escrita da “Morgadinha”, essa obra-prima da natural realidade rústica do seu tempo (corria 1868 quando foi publicada a 1ª edição, após ter vivido em Felgueiras em 1865, conforme registos em seus manuscritos), se pode dar a achega de que, por exemplo, numa passagem do episódio de abertura duma estrada na localidade que serviu de cenário, novidade da chegada de progresso com que os habitantes locais se viam confrontados, é indicado entre os inerentes benefícios da respetiva construção que ia passar a ser mais acessível o caminho para a feira de Penafiel – concorrida quer pelo S. Bartolomeu (“Bertolameu”, como se dizia) e pelo S. Martinho, como ainda a própria feira semanal bem apreciada na região - ao mesmo tempo em que ficou aludida a Corredoura, nome de lugar comum a várias freguesias do concelho de Felgueiras e simultaneamente um conhecido local desse tempo que fez parte da fisionomia do então rossio de Margaride... Assim como em freguesias do concelho de Felgueiras há algumas casas antigas chamadas de Mosteiro, como a que é referida na convivência fidalga em torno da Morgadinha. Aliás o mesmo médico-escritor estava em Felgueiras quando, segundo carta dirigida a seu pai em 24 de Julho de 1865 (incluída no seu espólio reunido em "Inéditos e Esparsos"), soube de sua nomeação para fazer parte do quadro profissional da Escola Médica do Porto. E, por outra missiva, enviada a Custódio Passos, faz alusão a umas eleições acontecidas em Felgueiras de tal forma que mais parece as que descreve no romance da “Morgadinha dos Canaviais”, depreendendo-se facilmente que nessa cena local por certo se baseou ou inspirou para o concludente relato transmitido do ambiente eleitoral da época (num tempo de curiosos hábitos, como pormenorizamos noutro artigo no SF, em texto sobre eleições)…

Armando Pinto

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