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quarta-feira, 27 de julho de 2016

O famoso Padre Sena, amigo de Camilo, nas memórias felgueirenses - a propósito de Conferência de D. Manuel Clemente, em Felgueiras


Entre realizações que de vez em quando também acontecem em Felgueiras, vai ocorrer por estes dias, mais preciosamente a 29 de julho, uma sessão evocativa aberta ao público em geral, na «Casa das Artes» da Cidade de Felgueiras, onde o Sr D. Manuel Clemente, Cardeal Patriarca de Lisboa e anterior Bispo do Porto, proferirá uma conferência intitulada «Padre Sena Freitas, uma grande figura da Igreja que também esteve em Felgueiras».

Convirá referir que, ao lado dos seus contemporâneos, Antero de Quental e Teófilo Braga, o Padre Sena Freitas foi um notável açoriano que muito marcou a vida cultural portuguesa da segunda metade do século XIX, tendo estado nos anos setenta dessa centúria em Felgueiras, onde foi professor no Colégio de Santa Quitéria, da Congregação da Missão de São Vicente de Paulo.

Apesar de autor de uma vasta e multifacetada obra, abrangendo as áreas da teologia, da filosofia, da pedagogia, da literatura e crítica literárias, do jornalismo, da política e da parenética, obra representativa da sua preocupação de fazer dialogar a fé com a cultura dos seus contemporâneos, Sena Freitas permanece ainda hoje um dos expoentes da cultura portuguesa e brasileira dos finais do século XIX e princípios do século XX mais deficitariamente estudados e necessitados de revisitação crítica.

Como, enquanto investigador e académico, o Senhor D. Manuel Clemente tem dedicado uma continuada, arguta e especial atenção à história da sociedade portuguesa dessa época e ao papel da Igreja nesse quadro, nele saindo particularmente valorizada a figura de Sena Freitas, esta conferência, pelos reconhecidos méritos científicos do orador e pelo interesse e candência da temática, constituirá uma excelente oportunidade de reflexão sobre o «Portugal Contemporâneo» de Oitocentos e inícios do Século XX, oportunidade para a qual exortamos os nossos concidadãos.

Esta louvável ocorrência será uma iniciativa dentro de um ciclo de conferências do Círculo Cultural Abel Tavares, que conta com os apoios do Pelouro da Cultura da Câmara Municipal de Felgueiras e da Paróquia de Santa Marinha da Pedreira.

A propósito, recorde-se o que há já alguns anos o autor e gestor deste blogue publicou, numa das habituais crónicas historiadoras no jornal Semanário de Felgueiras (ao início de Outubro de 2004) sobre o tema, em

Padre Sena Freitas
e o antigo Colégio de Santa Quitéria

À memória colectiva de uma terra, como Felgueiras, seduz sempre, para lá dos naturais filhos e fastos dignos de registo, toda e qualquer ligação de personagens importantes, mesmo de outras paragens, que por estes sítios calcorrearam na sua peregrinação terrena. É o caso de um vulto saliente da cultura pátria, como foi o Padre Sena Freitas, escritor de renome e pedagogo, que em tempos que há muito já lá vão passou por Felgueiras e aqui viveu em função do magistério exercido.

O Padre Sena Freitas era, no que vem a talhe, um nome que diz algo na cronologia existencial do antigo Colégio de Santa Quitéria, que existiu ao lado do Santuário ali erecto. Ora, esse estabelecimento de ensino foi um marco inolvidável do passado do Monte de Santa Quitéria e extensivamente na região de Felgueiras e concelhos limítrofes.

Recuando em enquadramento, no referido local, sobranceiro à sede concelhia de Felgueiras, houve então esse pólo de ensino onde foram alunos alguns jovens do passado que se tornaram personagens de âmbito nacional e local, como o Padre Américo Aguiar, conhecido fundador da Obra da Rua e da Casa do Gaiato, o Conselheiro Dr. António Barbosa Mendonça e seu irmão Juiz Conselheiro Dr. Alexandre Mendonça, o General João Sarmento Pimentel, Dr. Luís Gonzaga Fonseca Moreira, Padres Luís e António Castelo Branco, Dr. José de Barros Carneiro, Manuel Bragança, Padre Bráulio Guimarães, etc. E entre o quadro docente figuraram, além do fundador P.e Álvares de Moura, nomes como, por exemplo, um famoso cientista de sua graça Padre João Ernesto Shmitz, o histórico Reitor do Santuário Padre Henrique Machado, assim como leccionou no dito colégio, também, o Padre José Joaquim de Sena Freitas.

As qualidades formativas daquele Mestre Padre exerceram grande influência à época, através de seu espírito culto, tal qual foi autor de apreciada obra literária, mas passou mais à História por via da sua forte amizade com o grande escritor Camilo Castelo Branco, com o qual se relacionou intimamente. Havendo recebido do eloquente romancista elogios escritos, tais que vêm na obra sobre a revolta da Maria da Fonte. Tendo mesmo o Padre Sena Freitas tentado aproximá-lo mais da prática cristã, como teve alguma interferência na resolução do casamento religioso de Camilo, depois da sua vida passada com Ana Plácido, embora o papel principal nesse enlace haja pertencido ao famoso orador sacro Cónego Alves Mendes, um pregador que, por sinal, era também frequentador dos púlpitos desta região (como ficou referência de um sermão na festa paroquial de Rande, na transição para o século XX, segundo as “Memórias do Capitão” de João Sarmento Pimentel). À cerimónia nupcial do grande literato, porém, não esteve presente o Padre Sena Freitas por na ocasião se encontrar no Brasil, à frente de colégio que fundara em S. Paulo (conf. P.e Alexandrino Brochado, na VII Colectânea de Textos de Autores do Vale do Sousa, edição da C. M. Paredes).

Pois o Padre Sena Freitas, no seu multifacetado périplo mundano, foi um dos Mestres do Colégio de Santa Quitéria, como se lhe referiu o Padre Casimiro José Vieira, ao que consta nos seus “Apontamentos para a História da Revolução do Minho em 1846 ou da Maria da Fonte “ (de que, aquele Padre Casimiro, foi um dos cabeças desse movimento de milícias, após o qual também viveu em Felgueiras, tendo sido um dos principais impulsionadores pioneiros da estrada original de acesso ao Monte de Santa Quitéria).

Oriundo dos Açores, onde nasceu na ilha de S. Miguel, em Ponta Delgada, a 27 de Julho de 1840, filho de um historiógrafo e arqueólogo, Sena Freitas foi condiscípulo de Antero de Quental e conviveu com homens de letras como Castilho, teve apreciada produção literária e ficou conhecido por polemista de garra. Tornado clérigo, empreendeu um percurso que o levou a tornar-se Lazarista, professando na Congregação da Missão de S. Vicente de Paulo, depois de concluir o Curso Teológico no Seminário de S. Lázaro, em França. Seguiu depois rumo ao Brasil, havendo ensinado e missionado por aquelas terras da América do Sul até regressar a Portugal. Veio em 1873 para Felgueiras, nomeado professor de Filosofia e Línguas no Colégio de Santa Quitéria, mantendo-se no Monte das Maravilhas cerca de um ano, para mais tarde ali voltar em 1877. Tendo em 1878, no intuito de contribuir «para a difusão da cultura religiosa», ainda fundado o órgão de comunicação “Progresso Catholico”. Depois, foi em 1895 eleito Deputado da Nação, pelo círculo do distrito do Porto, na lista do Partido do Centro Católico do Distrito do Porto. Posteriormente, por mais que uma vez saiu da sua Congregação e foi readmitido, voltou igualmente ao Brasil e retornou, foi nomeado Cónego da Sé de Lisboa, andou pelo Oriente, foi exímio escritor e acabou por se radicar finalmente no Brasil, onde faleceu a 21 de Dezembro de 1913. 

De sua produção literária pode anotar-se os principais títulos: “O Morto Imortal”, ed. em 1883, “No Presbitério e no Templo”, em 2 volumes, 1884, “Autópsia da Velhice do Padre Eterno”, 1886, “Perfil de Camilo Castelo Branco”, 1888, “Observações Críticas e Descrições de Viagens”, 1891, “Lutas da Pena”, 2 vol. 1901-1902, “Por água e terra”, 1903, “A Palavra do Semeador”, 3 vol. 1905/07, “Ao veio do tempo”, 1908, “Stambul”, 1909, “Historicidade da Existência Humana de Jesus”, 1910.

Escrevia sua autobiografia quando morreu. Desaparecido da terra, sem ter passado às letras suas recordações, nunca foi esquecido contudo, merecendo estudos analíticos de importantes cérebros como Antero de Figueiredo, Dinis da Luz, Augusto Ferreira, Padre Moreira das Neves, João Anglin, entre outros que, ao logo dos tempos, lhe dedicaram páginas apreciativas ao temperamento que o fez passar pela vida com notoriedade. Ele que, no que nos toca mais, foi um Pensador que, afinal, ficou associado ao passado humanista Felgueirense.

 ARMANDO PINTO


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