Espaço de atividade literária pública e memória cronista

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

== Novo Aviso ==

Aos amigos leitores e seguidores interessados deste blogue:

Derivado ao que foi exposto no aviso do post anterior, porque alguém que não consegue fazer (escrever e criar) algo do género do que tem sido publicado neste espaço, por inveja e malvadez, tem criado problemas de intromissão informática, damos conhecimento que o e-mail (endereço electrónico) principal do autor tem estado inativo... motivando, por exemplo, que as fotos e imagens publicadas através desse mail estejam retiradas, deste espaço e outros. 
Assim sendo, sugerimos que quem eventualmente tenha interesse em algo documental do que está publicado neste espaço, imprima os artigos que possam ter interesse (para cada qual - clicando sobre cada título, fica independente o artigo para publicação individual), antes que desapareça alguma parte mais ou a totalidade...
Mais tarde, logo que possível, quando e se conseguirmos a recuperação do blogue inicial, continuaremos com esta partilha.

A. P.

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

~~ Aviso ~~

ÀS PESSOAS AMIGAS:

   O meu e-mail mais usual, de contacto pessoal, foi violado por alguém, sendo vítima de pirataria. Tendo sido por isso anulado (desativado momentaneamente, pelo menos). Mas entretanto, quem se apropriara desse endereço enviou mensagens totalmente falsas a pessoas de meus contactos. 

   Alheio ao facto, mesmo assim peço desculpa e faço saber que nada tive a ver com o caso. 

  Para poder voltar a ter contactos com as pessoas amigas, e por assim ter perdido todos os endereços, peço a quem desejar continuar manter os nossos contactos (mas só quando for necessário, obviamente) o favor de me comunicar o seu endereço electrónico/e-mail para a caixa de comentários abaixo, que eu não publico, mas assim fico com a respetiva indicação para incluir num novo e-mail. 

   Obrigado. 

  Armando Pinto

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Lucas Teixeira – Iluminado Artista e Poeta


Não foi em vão que a humanidade desde longas eras sentiu necessidade de haver expressão escrita, a partir da antiguidade histórica em que foi possível o ser humano se expressar através da caligrafia, como complemento da linguagem falada e sobrevivência memoranda, pois, como se diz, as palavras vão mas a escrita fica. Sendo assim possível, felizmente, que, entre diversos exemplos, possa persistir a memória de seres especiais. Como no caso que aqui queremos fixar.
Eis então o tema: Consta dum dos nossos trabalhos histórico-literários ainda inéditos, pois temos um livro praticamente escrito, há muito tempo à espera de possibilidade de publicação, em cujo material, de curiosidades e recordações históricas sobre o concelho de Felgueiras e assuntos e personalidades felgueirenses, está incluído o personagem que desta vez trazemos a público. Assim sendo, para que não continue apenas guardado e se possa fazer a homenagem perene que a ideia visava, vamos passar para aqui um excerto reportado a um texto que dedicamos a um personagem de matriz Felgariana – o artista sublime Armando Teixeira, que adotou o nome artístico Lucas.

(Desse produto apenas não colocamos aqui as respetivas fotos e imagens, por motivos óbvios de integrarem essa obra que, eventualmente, ainda poderá ser enfeixada em livro. Juntamos simplesmente, como ilustração, algumas imagens referentes, e essas por constarem de listas da internet. Deixando, porém, as legendas, nos respetivos locais, das fotos do original escrito.)

===== X =====

Armando Teixeira / Lucas Teixeira (n. 23/3/1918 - f. 28/4/2013)


Nesta espécie de pesquisa de preservação divulgativa, a escabichar sobre temas que jazem algo esquecidos ou mesmo desconhecidos da generalidade conterrânea, qual roteiro por factos e personagens dignos de nota do interesse Felgueirense, damos ensejo a um nome que bem merece admiração por seu valor, pelo prestígio alcançado aquém e além fronteiras, como pelos seus dotes artísticos e engenho de conseguir transmitir sentimentos, em suma por quanto honrou e glorifica a terra Felgariana – o antigo monge beneditino, depois unicamente cidadão e sempre artista e poeta, Lucas Teixeira.

Natural de Varziela, onde viu a luz do dia a 23 de Março de 1918, recebeu o nome de Armando no baptismo. Tendo ficado apenas com um sobrenome, atendendo à coincidência de ambos os progenitores serem do mesmo único apelido, sendo filho de Américo Teixeira e de Margarida Teixeira, casal honrado que soube legar bons princípios ao filho. 

Muito pequeno ficou sozinho com a mãe e uma irmã também pequena, pois seu pai rumou ao Brasil quando o filho ainda tinha apenas 3 anos. O pai era então “chofer” do antigo senhor da Casa do Sindicato, de Varziela (agora conhecida por Bom Repouso), o qual levou consigo o empregado, como seu motorista, para o Rio de Janeiro. Nos primeiros anos ele ainda escrevia regularmente à mãe de seus filhos, enviando-lhe um dinheirito para o sustento dela e do casal de filhinhos que muito amava. Mas, como diz o ditado “longe da vista…”, acabou por se deixar seduzir por uma criada do patrão, a qual, julgando-o viúvo, se casou com ele e lhe deu uma outra filha… perdendo-se os laços físicos e familiares com a prole em Portugal. Enquanto a legítima esposa, mãe de Armando, se desdobrava em canseiras, dando horas em casas ricas de Rande (onde antes fora criada de servir, em solteira), como também fazia em sua casa lavores domésticos e ainda vendia ovos caseiros de galinhas que criava, fazendo pela vida para manter os filhos…

Assim, Armando Teixeira, de sangue Felgueirense fecundo, oriundo de uma família de parentela numerosa (visto uma sua avó, nascida na Pedreira, ter sido mãe de 18 filhos), teve apenas de pai e mãe uma sua irmã, Elvira, que faleceu na flor da idade, aos 20 anos, ficando sepultada no cemitério de Pedra Maria (a Virinha, a quem o irmão depõe uma açucena em verso, aquela flor de pureza, “cecém” colocada num soneto que merece honras, de apoteose, mais adiante desta junção apreciativa). 

Para melhoria de vida e poder estudar, como era costume no tempo, Armando Teixeira entrou num seminário conventual, onde acabou por se adaptar e seduzir pela vida religiosa. Professou na Ordem Beneditina em Singeverga, tendo ingressado em 1929 nesse convento, onde depois concluiu o curso de Humanidades e mais tarde, em 1934, ao receber o hábito preto de S. Bento adoptou o nome Lucas, tal como em 1937 fez votos solenes e em 1941 foi ordenado presbítero, ficando então a chamar-se Frei D. Lucas Teixeira.

Dedicou-se ao estudo e execução de iluminuras, tendo sido bolseiro em 1946 pelo Instituto da Cultura. De suas mãos saíram excelentes trabalhos da arte iluminista para arquivos, museus e bibliotecas, merecendo realce uma ilustração em livro de Polifonia realizada para oferta ao Marquês de Rio Maior, bem como um outro trabalho que, servindo de prova do aproveitamento da referida bolsa de estudo, ofereceu ao antigo director do museu de Arte Antiga, Dr. João Couto. Segundo o que ficou registado, nas enciclopédias mais completas, executou diversas obras nesse «difícil género», algumas das quais enriqueceram o arquivo do mosteiro de Singeverga.

Das suas exposições de iluminuras, constam catálogos na Biblioteca Nacional, de Lisboa, referentes a exposições no Porto, em Lisboa e São Paulo-Brasil, de 1950 a 1952 e 1954.

(Foto c/ legenda:) No tempo de clausura, o artista, então D. Lucas Teixeira, concentrado no seu apaixonado mister, com a cógula de monge bento.

Ilustrativo da sua obra, foi publicado em 1952 um estudo intitulado “A arte da iluminura / Dom Lucas Teixeira”, inserto como separata no Boletim Cultural de Santo Tirso. Como em 1954, no Porto, teve luz outro estudo, intitulado ”Iluminuras de Dom Lucas Teixeira”, com apreciações sobre exposições antes realizadas em 1949 em Lisboa, em Santo Tirso no ano de 1951, em Braga em 1952, no Porto em 1952 também, e servindo de catálogo a Exposição em São Paulo-Brasil, nesse ano de 1954. 

Referente à primeira Exposição de 1949, no Palácio Foz em Lisboa, difundiu o jornal Diário de Lisboa: «Em pleno século XX, cheio de descrença artística, confuso de ideais estéticos, num verdadeiro milagre de inspiração, surge em Portugal, um grande iluminador. Tudo à sua volta se congregou para que o seu trabalho de excelsa beleza, ungido da graça religiosa, suave na sua policromia vitralesca, delicado de infinitos e quase microscópicos lavores, florescesse numa plenitude admirável de dons e de virtudes graciosas e puras. Quem é este artista, fora do seu século, que vem renovar a tradição dos nossos pergaminhos, numa pintura delicada e fina, em que o céu fala com a terra, através de uma alma em êxtase?...» 

Como que em resposta, em “Vita Plena”-1950-1951/”À volta dos Iluministas portugueses”, apareceu escrito: «O amor pelo desenho vem-lhe da infância. Depois, (como escreveu Hipólito Raposo), rezando, começara a pintar, e, pintando continuaria a rezar... Até que, em 1949, é à força que se mostra numa Exposição do Palácio Foz. S.ª Eminência, o sr. Cardeal Patriarca digna-se inaugurá-la. E a cidade de Lisboa acotovelou-se ali durante semanas na ânsia de admirar aquela maravilha. Até o rei de Itália por lá passa e não se desonra de pedir o autógrafo ao monge simples. A imprensa entusiasma-se. Os melhores críticos de arte, os mais exigentes, todos concordam num brado de surpresa... Muito e muito diríamos agora dos triunfos de D. Lucas Teixeira; preferimos, porém, resumi-los, citando um jornal inglês que o considera dos melhores iluministas do nosso tempo... É de ver a perfeição arrojada com que borda as tarjas. Sobre um colorido forte e gostoso, eis que voam os passarinhos e os insectos, caminham os caracóis, as florzitas estão assim ali vindas do canteiro, as joaninhas e as lagartas são coisa viva, e os frutos apetecem. E tudo num tom de côr tão equilibrada, tão de molde, tão escolhida! A circundar, em fios de luz e a salpicar os vazios, deslumbra o ouro brunido de cuja aplicação D. Lucas tem o segredo...» E o Jornal de Notícias, aquando da Exposição de 1952 no Museu Soares dos Reis, referiu: «...Nunca é demasiada a referência laudatória às possibilidades criadoras mais que sobejamente demonstradas... D. Lucas Teixeira, monge beneditino e mestre de iluminuras rejuvenescendo com a sua arte rara, um género de decoração e pintura que tudo fazia crer não mais se levantasse do pó dos arquivos, bem merece, pelo devotado culto ao seu ofício de artista, pelo enriquecimento com que vem dotando o património nacional, toda a sincera admiração dos que sabem colocar bem alto os maiores valores do Espírito.»

= Algumas imagens das suas obras, cujas gravuras ainda fazem parte de postais natalícios vendidos no mosteiro de Singeverga =

De sua vasta obra, enquanto Religioso Beneditino, tiveram relevância trabalhos com que iluminou documentos, tais como a Mensagem das Mulheres Portuguesas ao Santo Padre; Mensagem do Distrito do Porto a Carmona e Salazar; a Regra de S. Bento; Mensagem da Câmara de Sintra a Sª Exª o Presidente da República Portuguesa (1954-Craveiro Lopes); o Diploma de Baptismo pertencente à igreja de Fátima de Lisboa; a Mensagem do Congresso Internacional dos Médicos Católicos, reunido em Dublin no ano de 1954, ao Santo Padre Pio XII; assim como o texto da consagração de Portugal a N.ª Sª de Vila Viçosa foi iluminado por si para a Casa de Bragança. Entre outras obras suas, depositadas em mãos de personalidades nacionais, Salazar teve o “Painel dos Pescadores, do Políptico Veneração de S. Vicente, de Nuno Gonçalves”, pergaminho iluminado de 1948, incluindo um soneto do mesmo autor do desenho, Frei Lucas Teixeira. E ainda os seus “Auto da Cidadania” e “Senhor dos Passos”, também de 1948, ficaram pertences do Cardeal Cerejeira.

Entretanto, participou em muitas mais exposições, entre as quais a (referida no catálogo antes registado) do IV Centenário da Cidade de São Paulo, no Brasil, que teve repercussão no seu futuro.

Foi monge sensivelmente até entre os 37 aos 38 anos de idade. Após isso, depois de percurso passado por Singeverga-Santo Tirso, pelo Porto, Coimbra e Lisboa, entre outros pontos de passagem e residência conventual, havendo verificado que sua vocação não estava no encerramento monástico, regressou à condição de cidadão normal. Enveredou então definitivamente pela carreira da arte de iluminuras, em que passou a assinar os seus trabalhos por Lucas Teixeira, nome que mais tarde encerrou também composições poéticas de encher a alma. 

Para se afirmar, contudo, precisou rumar ao Brasil, como entretanto se verificara, e aí, «recebeu tantas encomendas e convites para dar aulas que acabou ficando». 
«Cabe o registro de que ele deixou a batina pouco depois de ter retornado da viagem a Portugal para buscar sua mãe, viagem que fez pela decisão de passar a residir no Brasil após o sucesso da exposição de 1954.»

Por sua dimensão, diversos artistas brasileiros se orgulham e vangloriaram de nomearem o facto de terem tido o «português Lucas Teixeira» por professor de iluminuras, como acontece em constar honrosamente, por exemplo, no currículo de Maria Amélia Arruda Botelho, natural de São Paulo e figura cultural do Brasil inteiro, saliente pintora, escultora, memorialista, pesquisadora folclorista e ficcionista. 

Entretanto, ficara fixado Armando Teixeira na grande nação irmã a partir de 1954, onde estabilizou sua vida. No final do ano de 1956 conheceu uma portuguesa que o cativou amorosamente,e faltando um mês e pouco para completar 39 anos, casou-se. Mantendo-se na grande nação irmã brasileira «bem casado com uma (essa linda e boa) portuguesa transmontana», com a qual constituiu prole bem sucedida, pai de dois filhos brasileiros, que lhe deram quatro netos «e a alegria de os ver bem situados na vida» e onde foi sendo «feliz, muitíssimo feliz». 

(Foto com legenda:) Instantâneo visual de seu paciente e minucioso labor iluminarista

Antes, quando chegou ao Brasil, apressara-se Armando a procurar o pai no Rio de Janeiro, sabendo então que ele tinha falecido e o que de permeio acontecera… Como também, soube que ele, já no leito da morte, deu à filha do seu "pecado amoroso", para ser entregue ao filho, caso ela um dia viesse a encontrar no Brasil seu irmão de Portugal, o relógio que sempre o acompanhara desde a pátria… e inspirou ao filho, depois, um lindo poema da lavra de Lucas Teixeira:

Relógio que se usava no passado,

No bolso do colete masculino.

Agora, está comigo, pendurado

Num preguinho, sem corda, sem destino.


Um “Omega” de lei. Bem regulado,

Só não batia as horas como o sino

Da igreja onde eu fora batizado,

Porém no acerto delas era fino.


Agora está parado. Eu vou indo,

Vendo as horas do tempo feio ou lindo

Passar na minha vida que se esvai.


Ainda que pareça, não é de ouro,

Mas no meu coração vale um tesouro,

Por ter sido o relógio do meu Pai.


Havia conseguido, portanto, ter também junto de si a sua mãe, que puxou ao seu encontro à terra acolhedora, onde ela veio a falecer mais tarde e ele lhe dedicou um lindo livro de poemas ilustrados. 

Sem jamais se reencontrarem os progenitores, falecidos e sepultados no Brasil, tendo o pai ficado tumulado no Rio de Janeiro e sua mãe em São Paulo («onde espero juntar os meus restos mortais aos de minha Mãe», como transmitiu numa missiva ao autor destas notas).

Residiu Armando Teixeira primeiro na grande cidade cosmopolita de São Paulo e depois na mais calma e acolhedora cidade de Piracicaba, do mesmo Estado de São Paulo, em situação estável e boa posição social. Havendo-se dedicado a traduzir do Latim importantes autores clássicos, enquanto continuou a produzir «suas belíssimas iluminuras» que, inclusive, muitas vezes foram expostas em salas Paulistas. Tendo, entre muitas distinções, uma sua iluminura, com aquele soneto de Camões do «Amor é fogo que arde sem se ver...», exposta no 45º Salão Paulista de Belas Artes, recebido uma honorífica "Pequena Medalha de Ouro", «como consta no diploma que foi colocado por ele no verso do quadro com a iluminura do soneto de Camões».

De uma das suas Exposições, no caso realizada em Piracicaba, na Casa do Médico, à Avenida Centenário, o Caderno Cultural do Jornal de Piracicaba de 18 de Junho de 1999 referiu-se-lhe como «Um pouco da arte milenar que ajudou a preservar manuscritos e ensinamentos antigos, pode ser vista... (em) exposição, que reune 20 trabalhos, de iluminuras de Lucas Teixeira. Iluminuras são ilustrações de um texto ou poema feitas em pergaminho, com letras góticas ou desenhadas, em cores e ouro, arte que remonta os tempos anteriores à imprensa, quando os livros precisavam ser feitos à mão... Arte minuciosa, que exige paciência beneditina e até meses para concluir um único trabalho. Entre as muitas obras feitas por encomenda figuram iluminuras para o ex-presidente Juscelino Kubitscheck e para presentear o Papa João Paulo II em sua primeira visita ao Brasil.»

Foto com legenda:) In “Jornal de Piracicaba” de 18 - 6 – 1999

Entre as experiências que pôde experimentar no Brasil, conta-se um saudoso encontro com o seu amigo e historiador Matoso, em reencontro acontecido com aquele antigo confrade, o distinto historiador nacional José Mattoso. Esse professor catedrático, fora anteriormente também monge beneditino, na abadia de Singeverga, tendo depois regressado à vida laica, após que passou a desenvolver acções académicas e, além de aturado e valioso trabalho no âmbito das ciências históricas, também ficou a exercer funções na direcção do Instituto dos Arquivos Nacionais, em Lisboa. Conforme recordou o sr. Armando Teixeira: «Eu conheci o José Matoso em Singeverga. Já então deixava antever o futuro brilhante que o esperava. Quando ele veio a São Paulo, em missão cultural, tivemos a oportunidade de nos ver e abraçar».

Entretanto, sob temperatura escaldante do país do samba, Armando (Lucas) Teixeira obteve alta saliência nas artes e nas letras, sobressaindo também como poeta nas horas livres de tradutor e da arte iluminurista. Esse nome, Lucas Teixeira, tirando o título de sua profissão religiosa, de que abdicara, acabou por ficar como nome artístico deste Português de Felgueiras, proeminente quer como autor de iluminuras ou como poeta, capaz de ilustrar obras literárias através de «milagres de pergaminho, ouro e tintas da sua arte paciente e piedosa» quais «verdadeiros poemas as suas iluminuras» eram; tal qual em dom poético foram considerados «verdadeiras iluminuras os seus poemas»! De sua lavra saíram lindos versos enfeixados em livros, cujas capas foram ilustradas por si na veia do artista de mãos e pensamento que foi Lucas Teixeira, tendo escrito em verso obras intituladas “Na Mão de Deus”, cuja publicação ocorreu no Brasil em 1958 («onde deixo transparecer o sofrimento moral durante a minha vida de monge, para a qual não tinha vocação», como confessou em missiva pessoal ao autor destas anotações, num contacto de 2006, já em veneranda caminhada com 88 anos...), como também “O Teu Retrato, Mãe”, edição de 1960 (contendo igualmente ilustração própria das páginas), “Portugal Que Não Se Esquece”, com duas edições em 1965, e “Portugal Pecado e Graça”, saído em São Paulo no ano de 1984.

Com genuíno cunho artístico, de complemento do que tanto fez na ilustração como em verso, nos seus livros foi cantando e ilustrando o que lhe ia na alma, em soneto «desenhando o todo e vero Portugal: a preclara língua, a vindima, a procissão, os santos, as cidades, os monumentos...». Ao mesmo tempo em que deixava laivos de saudade quando relembrava, sob mote dos rios de sua afinidade telúrica, 
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«O outeiro do meu sol tinha na falda

O Sousa com peixinhos franciscanos.

O Vizela aspergiu-me os negros panos

Da cogula de monge... e, curva a espalda...». 


Tanto quanto o próprio torrão natal, como que sempre presente:


«Ouço o tocar dos sinos na capela, 

Onde, a sorrir, na festa tão singela,

Eu fazia a Primeira Comunhão.

– Pedra Maria, meu jardim de infância, 

Envolta nas neblinas da distância, 

Tu me inundas de Sonho o coração!». 


Enquanto ia remetendo missivas como 


«Ó minhas cartas, asas de alma, ide 

Levar minhas saudades céus além. 

Fique a primeira ao pé de Margaride, 

Em Varziela, minha terra. Amém.»

Este insigne Felgueirense, constante das melhores enciclopédias e da base nacional de dados bibliográficos, está honrado na toponímia da sede concelhia, havendo na cidade de Felgueiras, desde 1993, muito depois de ele ter abandonado a vida religiosa, portanto, uma artéria denominada Rua Frei Lucas Teixeira – facto que ele desconhecia ao tempo da sua última visita presencial à “terrinha”, que teve oportunidade de satisfazer em 1995.

(Foi o autor destas linhas que lhe deu conhecimento do facto, em contacto obtido, muito depois. Tendo, através de conhecimento surgido de crónica que se lhe dedicou em 2002, no Semanário de Felgueiras, havido possibilidade de enriquecer mais a admiração por tão fascinante personagem.)

*
Passados anos, pujante de encanto artístico e sentimento português, já passada conta de mais que dois carros (na linguagem antiga das terras de Felgueiras, no termo popular, quanto à idade), em princípios de 2007 o sr. Armando (Lucas) Teixeira ofertou ao autor uma composição em pergaminho, cujos versos falam por si. Algo que, apesar do desenho não ter ficado iluminado a ouro e cores, como se entende por já estar então na casa dos 89 anos (mas, para ele, apenas, «porque a minha vista não está em condições de o fazer, devido a uma recente operação de catarata»), é coisa que só vista e sentida... Afinal, de que melhor que quaisquer palavras, fala a reprodução que se junta. E de cuja caligrafia gótica se respiga o lindo e tocante conteúdo:

«Ao meu ilustre patrício

Armando Pinto ofereço

amostras do belo ofício

que Deus me deu. Agradeço

as referências honrosas

a este iluminurista,

como pétalas de rosas

no meu caminho de artista.

Há uma rua com meu nome,

na cidade de Felgueiras?!

Essa honra não me tome

as alturas verdadeiras

da monacal humildade

com que faço iluminuras,

por vocação e vontade,

com flores, ouro e figuras.

Entre centenas que fiz,

no mosteiro, como frei,

uma me fez infeliz,

por isso, triste, a rasguei...

Livre dos votos de monge,

– obediência, pobreza

e castidade – fui longe

com Deus por minha defesa.

Do Brasil, onde estou bem,

saudoso, irei à «Terrinha»

colocar uma cecém

sobre a campa da Virinha.

Na de minha Mãe que veio

p’ra São Paulo, no meu trilho,

margaridas são o enleio

do meu coração de filho.

Oh! que lembranças saudosas

da Longra, de Varziela,

da Lixa, Unhão e Barrosas,

numa paisagem tão bela!

A pombinha da saudade,

quando a solto, vai e pousa

num choupo da minha idade,

na margem do rio Sousa.

Casas fidalgas de Rande

e da Torre! Delas são

as senhoras de alma grande,

que me davam mel e pão.

Minha Mãe, quando solteira,

teve-as por suas patroas,

caridosas, de mão cheia

para os pobres. Almas boas!

Na cidade de Felgueiras,

onde fica a tal artéria

com meu nome? Nas ladeiras

do monte de Santa Quitéria?

Faz setenta e poucos anos

que lá soltei um balão

que dois meninos ciganos

trocaram por meu pião.

Terras da minha saudade,

será que vos torno a ver?

Com tão avançada idade,

só me resta bem morrer.

Enquanto for vivo, espero

continuar, como artista,

distante da nota “zero”.

Deus fez-me iluminurista.»


Lucas Teixeira


Piracicaba SP – Brasil


Janeiro de 2007

(Mapa parcial com a rua de seu nome, em Felgueiras)

Na felicidade do contacto possível, com grande honra o autor teve dedicatória ainda de dois sonetos, em género de missivas poéticas (ambas datadas de Piracicaba SP Brasil – Fevereiro de 2007):

(imagem com original datilografado)

Felgueiras

I

Vila, no meu bom tempo de criança,

És agora cidade. Eu te saúdo.

Em mim e em ti, Felgueiras, que mudança!

Nos anos do vintém e do escudo,


Em tua vida simples, quieta e mansa,

Havia procissões e, pelo Entrudo,

Música no coreto e muita dança;

No Natal, rabanadas, “porto”, tudo.


No Brasil, saboreio a doce história

Do pão de ló de Margaride, glória

Dos velhos tempos e sabor dos novos.


Sendo eu menino, à Casa que o fazia,

A minha Mãe, p’ra termos pão, vendia

O que juntava das galinhas: - ovos!

II

A Vila progrediu em cada artéria,

No comércio das ruas e das feiras.

Não entrou nela a bruxa da miséria

Escorraçada pelas bordadeiras.


A paz do Monte de Santa Quitéria

Alto pendão do povo de Felgueiras,

Conduz a sua gente, gente séria,

Ao cume das alturas verdadeiras.


Hoje é Cidade. Para ser mais bela,

Juntou-se, num abraço, a Varziela

Onde eu nasci, saudável, sem parteira.


Uma das ruas, (não sei qual)

Por eu ser de Felgueiras – Portugal,

Tem o meu nome que é: Lucas Teixeira.


Depois disso, Felgueiras continuou, por associação, ainda, a honrar este eminente Felguerense, como aconteceu com o nome dado a um estabelecimento de educação infantil, ao que sucedeu com a criação, em 2007, na cidade de Felgueiras, dum “jardim infantil” (pré-escolar) que, por ficar situado na rua com seu nome, ficou denominado “Jardim de Infância Frei Lucas”, de Margaride.


Armando “Lucas Teixeira” faleceu no dia 28 de Abril de 2013, pelas 22 e 30 horas da noite, aos 95 anos… «sem sofrimento, levado pelos anos» – como nos referiu sua filha, depois. Já com uma bonita idade e vida preenchida, diremos nós. Deixemos então seguir a descrição da mesma, sua filha (Maria Margarida), pela minúcia e ternura que demonstra e se revela interessante:

«…Minha mãe, meu irmão Augusto e eu estivemos ao lado dele durante todo o seu último sono. Nos últimos tempos era assim que passava, dormindo. Meu pai deve ter tido um pequeno derrame que lhe tirou o movimento de andar e o deixou desgostoso com a vida, mas estava lúcido.

Logo pela manhã desse domingo de abril se passou algo muito curioso, principalmente pela adoração que meu pai tinha pelos pássaros e os animais pela casa dele. Sempre apareciam, de uma forma ou de outra. No lado de fora da porta de entrada há pregado um São Francisco em madeira com os braços abertos a recebê-los, se assim posso dizer.

O enfermeiro após ter feito os cuidados da manhã trouxe meu pai para a sala da casa e o colocou na cadeira em que sempre ficava desde que não pode mais andar. A porta da rua estava aberta e por ela entrou um passarinho que sobrevoou sua cabeça, pouso ao lado dele e logo em seguida foi pousar em uma das iluminuras feitas por meu querido pai e que estava pendurada na parede do lado oposto da janela da sala. O enfermeiro preocupado com o passarinho foi abrir a janela para ele sair e, então, a ave saiu pela mesma porta por onde entrou. Quando minha mãe chegou e soube do acontecido ficou certa que devia chamar os filhos para a despedida.

Não sou historiadora como o amigo, mas penso que valorizar a história é reconhecer a nossa própria existência. Dessa forma, meus sinceros agradecimentos pelo reconhecimento ao meu pai. Parafraseando o autor israelense Amós Oz onde em um trecho de seu livro diz: “a gente vive até o dia em que morre a última pessoa que se lembra de nós".»

Que melhor final, que aquela narrativa e, por fim, esta citação sintomática?! Pela nossa parte fazemos o possível e nisto, aqui também, fizemos o que a inspiração investigadora nos proclama.

Obs (conf, Internet).: «Nota de falecimento em abril de 2013, no Obituário, d’ A Província, de Piracicaba - ARMANDO TEIXEIRA, faleceu anteontem  (dia 28) na cidade de Piracicaba aos 95 anos de idade e era casado com a Sra. Maria Amélia Teixeira. Filho do Sr. Américo Teixeira e da Sra. Margarida Teixeira, ambos falecidos. Deixa os filhos: Augusto Teixeira casado com Nilza Akemi Tsutiya e Maria Margarida Teixeira Moreira casada com Jofelo Moreira Lima. Deixa ainda netos. O seu corpo foi transladado em auto fúnebre para a cidade de São Paulo e o seu sepultamento deu-se ontem as 15:00 hs no Cemitério Gethsemani naquela localidade, onde foi inumado em jazigo da família.»

Armando Pinto

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Ícones nortenhos - até à numeração de portas no Porto e em Felgueiras…



Sob título “100 coisas que o Porto tem e não se encontram em Lisboa”, houve há tempos um género de roteiro cultural e informativo para reconhecimento e redescoberta da cidade do Porto. «Uma seleção de razões para o Porto ter sido escolhido pelos turistas como o melhor destino europeu destes últimos anos. Um guia para os que não conhecem bem a cidade Invicta e um rol de motivos de orgulho para quem a vive. Espreitadela à cidade barroca, enriquecida com obras de três Pritzker e à Invicta Mui Nobre e Sempre Leal Cidade do Porto a que D. Pedro IV de Portugal e I do Brasil deixou o coração». Entre motivos que honram e enriquecem a cidade capital do Norte de Portugal.

Ora, sendo o Porto o coração da região que deu origem ao nosso país e inclusive o nome a Portugal, sendo a capital do distrito do Porto e sede da diocese portucalense, a cabeça do norte da nação de onde partiram antigos guerreiros e navegadores que ampliaram a Grei, retemos alguns desses símbolos que se tornaram emblemáticos aos olhos e sentidos de quem se sente ligado à urbe portuense. 

Na sequência da recente crónica do autor com lugar no Semanário de Felgueiras (coluna para aqui transposta, no anterior artigo deste blogue), em cujo decurso referimos a estátua do guerreiro Porto e a Praça dos Aliados, desvirtuada na mandato camarário dum tal Rio…

Pois… Assim sendo, e tomando por base parte de textos publicados na revista Notícias Magazine, com adaptações e acrescentos, passamos adiante. Reparemos então em alguns dos símbolos mais característicos portuenses, da área da velha Portus Cale, apenas parcialmente (e não na totalidade, para não alongar o tema), como tal:

Colher de Jardineiro de Oldenburg - Toda a cidade que se preze tem uma escultura gigante da dupla Claes Oldenburg e Coosje van Bruggen. Filadélfia tem a Mola de Roupa. Chicago, a Carteira de Fósforos. Tóquio, a Serra. O Porto tem a Colher de Jardineiro, mais de sete metros de altura, levemente enterrada no Jardim de Serralves e visível da Avenida Marechal Gomes da Costa.

Menina Nua - Se perguntarem no Porto onde fica a estátua da Juventude, provavelmente ninguém dará a informação certa. Mas se indagarem pela Menina Nua, apontarão de imediato a Avenida dos Aliados. É de mármore e foi feita por Henrique Moreira. A jovem que serviu de modelo morreu, recentemente, de avançada idade e cega.

O edifício da Alfândega Nova - iniciado em 1859, com projeto da Casa Seyrig (a mesma da Ponte Luiz I), foi construído sobre estacas, num areio de Miragaia. Epicentro mercante da cidade, permaneceu solene na linha de rio, com a sua austeridade granítica a receber requalificação para museu e centro de congressos pelo traço de Eduardo Souto de Moura, nos anos 1990.

Alfredo Portista -Atravessar as portas azuis à saloon do Alfredo, na Rua do Cativo (Cimo da Vila), é entrar num Porto de outros tempos. Os azulejos nas paredes, o balcão de alumínio e as pipas de vinho não enganam: é uma verdadeira tasca. No coração da Sé alta, o Alfredo é o local de eleição para terminar o dia com uma malga de verde tinto e um pastel de bacalhau.

Anémona - Na Praça de São Salvador, a porta de entrada em Matosinhos pela beira-mar, esta é provavelmente a mais vistosa das obras de arte pública do Porto. Sita na rotunda de transição da cidade, para a vizinha zona pesqueira matosinhense. A autora, a norte-americana Janet Echelman, chamou-lhe She Moves (o que é verdade, move-se ao sabor do vento), mas o pessoal rebatizou-a de Anémona, e tudo leva a crer que fez bem. A enorme rede, de um vermelho acobreado, é uma homenagem aos pescadores. As três torres em que assenta evocam as chaminés das fábricas conserveiras de Matosinhos, que nos tempos áureos da indústria eram mais de meia centena, das quais apenas duas (Pinhais e Ramirez) sobreviveram.

Auto-retrato de Aurélia de Souza - Impressiona pela intensidade do olhar, a perturbadora frieza das feições e o ar grave e sério com que a pintora se retrata, fazendo o seu próprio caminho e afastando-se da estética naturalista do mainstream da pintura portuguesa da segunda metade do século XIX, em que pontificavam Columbano, Silva Porto e Malhoa. Pode ser visto no Museu Nacional Soares dos Reis.

Cadeia da Relação - Atrás das grades do ângulo esquerdo do frontão, ouve-se uma pena a riscar papel incerto como imaginamos o de 1861. Na cela 12 do andar dos ilustres, três pisos acima das enxovias populares, Camilo Castelo Branco insurge-se contra o preconceito que o pôs ali um ano e 16 dias por amar a casada Ana Plácido. Conta a história de Simão e Teresa e da morte por amor, apadrinhado por um Robin dos Bosques à portuguesa, Zé do Telhado, companheiro na cadeia que foi cadeia por duzentos anos e que hoje é o Centro Português de Fotografia.

Café Majestic - Situado no coração da Baixa (Rua de Santa Catarina), é muito mais do que um café. Tomar um cimbalino no Majestic é recuar à era dos cafés-tertúlia, à cidade dos anos 1920. Integra todos os roteiros turísticos da cidade. Razão pela qual se transforma numa babel de gente. Entre outros clientes ilustres, figuram Jacques Chirac e Gago Coutinho - este último esteve na inauguração, há mais de noventa anos.

Cais de Gaia / vista do Porto do outro lado - Cidade encavalitada nas encostas, sem vertigem, com o Douro a banhar-lhe os pés. Prédios esguios com varandas de ferro forjado e roupa a secar nas janelas, muitas vezes decrépitas. A vida, com sotaque e coração a palpitar na língua afiada, partilha-se nas casas exíguas e no empedrado estreito do centro histórico, encimado pela Sé do Porto. E a luz, com sol ou neblina, faz lembrar as aguarelas de António Cruz (pintor retratado no filme O Pintor e A Cidade, de Manuel de Oliveira, com banda sonora do Padre Luís Rodrigues, ao tempo reitor da Lapa, natural de Rande-Felgueiras!). A encosta encantada do Porto reconhece-se melhor de Gaia, ali mesmo no cais que já foi terreno perdido da Administração dos Portos do Douro e Leixões e hoje é parte da cidade.

Casa da Música - Rapidamente se alcandorou a símbolo do Porto e a bandeira da modernidade cultural do país. Já poucos imaginariam a paisagem do Porto sem o cubo que ombreia com a Rotunda da Boavista. Marco da Capital Europeia da Cultura, em 2001, tem a assinatura de Rem Koolhaas (um dos três Pritzker da cidade, a par de Souto de Moura e Siza Vieira), tem vasta e eclética programação, aliando ao seu propósito cultural e arquitetónico uma vocação de cidadania, com relevo para o trabalho desenvolvido pelo Serviço Educativo.

Casa do Infante - De que o infante D. Henrique nasceu no Porto não há dúvidas. Mas menos certo é que, como reza a tradição, tenha visto a luz na Casa do Infante, a velha alfândega régia. É o que menos importa. Na Ribeira, espécie de segundo núcleo da génese da cidade e berço do Porto mercantil, o edifício que alberga o Arquivo Histórico Municipal tem tudo que ver com a forma como o Porto se fez grande.

Caves do Vinho do Porto - A cidade tem o vinho do Porto, mesmo que suscetibilidades pudessem ser arranhadas lá no Douro vinhateiro onde o néctar se faz. Mas não há que disputar a primazia entre a terra dos vinhedos e o grande centro de onde os produtores levaram para o mundo uma das mais distintivas marcas do país e da cidade, apenas alcançada pelo FC Porto em prestígio internacional. Nas caves, em Vila Nova de Gaia, que subsistem como produto turístico de elevado potencial, flutuam pelo ar o espírito dos vinhos e as almas de gente como a Ferreirinha ou o barão de Forrester, ou ainda a mão de ferro de Sebastião José, o tal que criou a Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, estatuindo a mais antiga região demarcada do mundo e transformando o vinho no instrumento regulador da vida de muita gente. O vinho do Porto é doçura, sofrimento, arte. É o charme de uma região e de um país, e as caves são a passerelle onde se mostra a um planeta inteiro.

Coliseu  - Da autoria de Cassiano Branco, é uma das mais belas salas de espetáculos do país. Inaugurada em 1941, com um concerto da Sinfónica Nacional dirigida pelo maestro Pedro de Freitas Branco, sobreviveu a um incêndio e à tentativa de compra pela seita IURD. Os concertos promenade, nalgumas manhãs de domingo, são imperdíveis.

Coração de D. Pedro - Como prova de reconhecimento pelo heroísmo com que os portuenses se haviam batido a seu lado no Cerco (1832/33), D. Pedro IV, num gesto romântico, legou à cidade o seu coração. Mas não disse onde queria que ficasse. Na Sé, diziam uns, por ser o templo mais emblemático da cidade. Na igreja da Serra do Pilar argumentavam outros, por ter sido ali que se fez a verdadeira defesa da cidade. Na Igreja da Lapa, mandou a imperatriz viúva, por ser lá que o monarca assistia à missa. Mas a chave do mausoléu onde se guarda o coração real está no gabinete do presidente da câmara. O coração é da cidade.

Cruzeiros no Douro - Seguindo o serpentear do Douro, a correnteza do rio leva-nos até à Foz, tendo como companhia a paisagem de Património Mundial. No Douro há cruzeiros para todos os bolsos. Desde o que passa pelas pontes que unem Gaia ao Porto, até aos cruzeiros de vários dias que sobem o rio até à região do Alto Douro Vinhateiro.

Dragão - Há estádios imponentes, como o Emirates Stadium, onde joga o Arsenal, ou o velhinho Maracanã, no Brasil. Há estádios arrepiantes, como o Anfield Road, onde os adeptos do Liverpool cantam o lindíssimo You Will Never Walk Alone. E há estádios esteticamente brilhantes, como o Estádio do Dragão. A obra de arte de Manuel Salgado fica para a posteridade como um dos símbolos maiores da Invicta. Onde há ainda o Museu do F C Porto by BMG, um ponto de visita dos roteiros turísticos mais visitados.

Edifício Vodafone - O monólito de betão branco, ondulado e de bicos aguçados com losangos translúcidos, trouxe modernidade à maior avenida do Porto, que tem trocado os palacetes de outrora por edifícios convencionais e sem rasgo. A sede da Vodafone saiu do estirador dos arquitetos José António Barbosa e Pedro Guimarães convertendo-se numa das peças de referência da nova arquitetura da Invicta. O puzzle da operadora de telemóveis abriu há poucos anos ainda, correu o mundo e foi eleito edifício do ano 2010 pelos leitores do site ArchDaily.

Esplanada da Praia da Luz - Ganhou a fama nos anos 1990 com as animadas noites de verão de copo na mão e as tranquilas manhãs de inverno de manta nas pernas. Foi crescendo e tornou-se um restaurante de prestígio. É paragem obrigatória da marginal da Foz e, com o rochedo Gilreu em pano de fundo, é um dos locais mais privilegiados para ver o pôr do Sol. Mesmo com a renovada marginal de Matosinhos e as bandeiras azuis de Vila Nova de Gaia, é nas avenidas Brasil e Montevideu, sob a clássica Pérgola, que os passeios à beira-mar sabem melhor.

Esplanadas da Praça da Ribeira - É à volta da cúbica escultura de José Rodrigues que se estendem. Se em tempos era daquele local da cidade que chegavam e saíam as mercadorias, hoje são os turistas que chegam em massa a esta praça. Ladeada pelo típico casario portuense e com o São João Batista, de José Cutileiro, a velar em cima da fonte, de dia ou de noite, o antigo Cais da Ribeira exala Porto por todos os poros. Com sotaque vincado e orgulhoso.

Estação de São Bento - Os azulejos de Jorge Colaço contribuíram muito para que a Estação de São Bento (obra do arquiteto Marques da Silva) fosse considerada uma das 15 mais bonitas do mundo. São vinte mil azulejos pintados, na sua maioria, a azul e branco. Quando o artista os colocou, em 1915, esse momento foi considerado o acontecimento artístico mais marcante da época. São alusivos aos transportes e a episódios históricos, como a entrada de D. João I na cidade, quando do seu casamento com Filipa de Lencastre, e a submissão de Egas Moniz e família ao rei de Leão. A uma distância percorrível a pé, estão outros painéis de azulejos de visita obrigatória: Igreja de Santo Ildefonso (Batalha), Capela das Almas (esquina de Santa Catarina com Fernandes Tomás) e Igreja do Carmo (Praça dos Leões).

FC Porto - Se o Porto é, como os portuenses juram, uma «nação», o Futebol Clube do Porto é uma emoção. Melhor: é um imparável turbilhão de emoções, uma montanha-russa de grandes sensações, enfim, uma oleadíssima máquina de produção de sentimentos. Cá dentro ou lá fora, o Dragão só sabe correr pela vitória. Essa força transmite-se com facilidade à crescente massa humana que se revê no clube mas, sobretudo, entende o significado da argamassa que ganha robustez a cada ano que passa: mais do que uma mera instituição da cidade e do Norte, o FC Porto é identitário. Mas identitário a sério: as conquistas do clube são resultado do labor. Do mesmo tipo de labor que caleja as mãos aos agricultores de Trás-os-Montes ou que enegrece os pés de quem pisa as uvas no Douro.

Frente marítima de Gaia - Ter a praia na cidade: 15 quilómetros de costa atlântica transformaram a orla marítima de Gaia num dos grandes pontos de atração da região no que ao lazer respeita. Para a qualidade da zona balnear (reconhecida com um pleno de bandeiras azuis) são argumentos de peso as múltiplas esplanadas e bons apoios de praia, que, em dias de sol, criam jornadas inesquecíveis. Aproveitada por milhares para fazer exercício ou meras caminhadas. Os bons acessos tornaram rápida qualquer viagem até à esplanada.

Fons Vitae - É a joia da coroa do importante e valioso espólio artístico da Santa Casa da Misericórdia do Porto. Apesar das muitas pesquisas já feitas, não se sabe quem pintou este quadro. Parece certo que é da Escola de Bruxelas e que deve ter sido encomendado para figurar já na primitiva sede da Irmandade, na Capela de São Tiago, na Sé. Durante muitos anos andou como que desaparecido. Foi descoberto em 1824, no decurso de umas obras que se andavam a fazer na sacristia da igreja. Quem o adquiriu? Que personagens estão nele retratadas? Interrogações que persistem.

Francesinha - Não há volta a dar-lhe, a francesinha é do Porto e tudo o que se faz Portugal afora são sofríveis imitações. Ou coisa pior. Há ingredientes essenciais que têm de ser comprados num talho do Bolhão: se o mais popular petisco da cidade fosse certificado, dúvidas não haveria. Jovem de 60 anos e inventada na Regaleira por um tal Daniel Silva - façam-lhe uma estátua!... - a mais famosa sanduíche de Portugal, perdição de carnes molhadas e picantes, é elogiada por gastrónomos de todo o mundo. Tem uma propriedade física incomum: dilui-se em litros de cerveja.

Fundação de Serralves - Está sempre em festa, nas diversas edições de Serralves em Festa. Serralves antecipa o São João, é cultura, e também é natureza. Da casa, exemplar de art déco que o Estado adquiriu à família do conde de Vizela, na década de 1980, caminhou para o Museu de Arte Moderna, de Álvaro Siza. Serralves é mais do que arte - com as exposições de Paula Rêgo, Andy Wahrol, Francis Bacon, Ângelo de Sousa ou Fernando Lanhas - e arquitetura. É um parque imenso, recheado de espécies raras e de belos roseirais. E é também a Casa Agrícola, que com o seu serviço educativo mostra a muitas crianças de onde vêm as alfaces antes de chegarem à prateleira do supermercado.

Grande Hotel do Porto - O Grande Hotel do Porto foi construído, na Rua de Santa Catarina, onde existiu, antes, um palacete, que foi residência de D. Antónia Adelaide Ferreira, a célebre Ferreirinha da produção dum afamado vinho do Porto. Depois albergou um teatro. O hotel foi poiso habitual de escritores como Eça e Ramalho Ortigão. Num dos seus quartos faleceu, em 28 de dezembro de 1889, a imperatriz do Brasil D. Teresa Cristina Maria, mulher de D. Pedro II, que um movimento republicano depusera, um mês antes, de imperador do Brasil. Iam para o exílio.

Igreja de São Francisco - É chamada a igreja de ouro devido à sumptuosidade da talha barroca que a reveste e submergiu por completo a primitiva estrutura gótica do templo. Por muitas vezes que a visite, nunca deixará de ficar impressionado com os duzentos quilos de ouro distribuídos pelo altar, coluna e pilares. As sepulturas românticas que complementam a visita à igreja eram o local preferido para em adolescente o famoso cantor Pedro Abrunhosa  se declarar às raparigas.

Igreja de Santa Clara - Escondida, discreta e quase impercetível para quem ao largo passa, a igreja do velho convento das clarissas, que deixou de o ser quando a última morreu, em cumprimento do que décadas antes estipulara Joaquim António de Aguiar, o mata-frades. Dupla é a face do templo, com o gótico exterior a embrulhar o espantoso tesouro de talha barroca que o veste por dentro.

Igreja românica de Cedofeita - Surpreende a igrejinha românica de São Martinho de Cedofeita pelo que é, resquício medieval num ponto distante do que era o velho burgo portuense. É a mais antiga igreja da cidade: há elementos do século IX e referências à existência ali, antes, de um templo suevo, se bem que o que está à vista seja o produto de muitas remodelações ao longo do tempo.

Infante Sagres - Hotel, o primeiro cinco estrelas do Porto, mandado construir pelo industrial Delfim Ferreira, viu revigorada a sua história com a localização privilegiada junto ao bairro das artes e bares do Porto. É do grupo Lágrimas e integra a elite dos Small Luxury Hotels of the World. Está num edifício dos anos 1950, que cruza um estilo neobarroco com um estilo contemporâneo - serve de exposição à portuense Boca do Lobo. Hóspedes ilustres: o Dalai Lama, Bob Dylan, Catherine Deneuve e o príncipe Eduardo de Inglaterra.

Intercontinental - É derradeira encarnação do Palácio das Cardosas, proa da Praça da Liberdade, no coração do Porto. A primeira unidade hoteleira do grupo internacional em Portugal escolheu um edifício imponente que nasceu para alojar o clero, deu teto à vida burguesa das Cardosas, com herança importada do Brasil, e serviu a banca entre os anos 1980 e 1990.

Jardim Botânico - Japoneiras, juníperos, pavónias, olhos-de-gato, catos de cores apocalípticas, a planta-fantasma digna de Bolaño (dizem que se vê com o coração) ou os fantasmas infantes de Sophia e Ruben A.: são infindáveis as razões estéticas e literárias para amar o Jardim Botânico e a sua rubra Casa Andresen.

Largo do Colégio - É uma das vistas deslumbrantes sobre o Porto medieval, o Douro e a outra margem do rio. Escondido sob o terreiro da Sé, o Largo do Colégio ou dos Grilos ganha a forma de adro da Igreja de São Lourenço. Vale a pena descer as estreitas ruas da Sé e deixar os olhos repastar um Porto ainda desconhecido por turistas, e por muitos autóctones.

Livraria Académica - Fundada em 1912, há cem anos, é o único estabelecimento do seu género onde ainda funciona, aos sábados de manhã, uma tertúlia à moda antiga. Muito por culpa do proprietário, Nuno Canavez (amigo do antigo Capitão João Sarmento Pimentel, que, em 1919, junto com o irmão Francisco Pimentel, chefiou a derrota da Monarquia do Norte, desde o quartel do Carmo, no Porto; e recebendo por isso a espada d'honra da cidade da virgem). Sendo aquele livreiro um transmontano, há muito radicado no Porto, que com as suas histórias e boa disposição anima os debates. Frequentam-na médicos, engenheiros, professores universitários, jornalistas, mestres de História e simples amantes de livros e da cultura portuense. O que se discute? O Porto, acima de tudo. Não é exagero algum afirmar que o Quarteirão dos Livros teve a sua génese na Académica...

Livraria Lello - Foi considerada pelo jornal inglês The Guardian «uma das mais belas do mundo». Exagero ou não, a livraria, inaugurada em 1906, é um ponto de paragem obrigatória. Verdadeira catedral do saber, ao estilo neogótico, com a serpenteante escadaria rubra, os tetos trabalhados e os vitrais multicolores que têm cativado ao longo dos anos sucessivos escritores, como o catalão Enrique Vila-Matas, mas também guias de viagens e enciclopédias.

Marques da Silva - À entrada da Avenida dos Aliados, para quem vai da Praça da Liberdade, há dois curiosos edifícios - o da Nacional (antiga Companhia de Seguros) e o do Banco Bilbao Vizcaya Argentária. Ambos do arquiteto Marques da Silva. O segundo pertenceu, inicialmente, ao banqueiro Pinto Leite que o vendeu ao Bank of London & South America. São dois belos exemplares com nítida influência da Renascença Flamenga. Marques da Silva gizou-os depois de uma viagem pelo Centro da Europa.

Mercado do Bolhão - O Bolhão são duas coisas: o edifício retangular alongado de dois pisos com linhas arquitetónicas e gramática decorativa neoclássica tardia (foi erguido em plena Primeira Guerra Mundial e hoje está severamente degradado); e o «edifício» de vernáculo vocabular que ali orgulhosamente subsiste como património vivo da humanidade.

Mercado Ferreira Borges - Emblema da arquitetura do ferro, é também um símbolo da alma do Porto, com as linhas sóbrias a destacar-se num quarteirão de pesos-pesados do património. Está ao lado do Palácio da Bolsa, a rematar o casario da Ribeira, na praça com o nome do príncipe portuense que impulsionou a aventura marítima, o infante D. Henrique. Foi feito para ser mercado, mas nunca o chegou a ser. Desenhado pelo arquiteto João Carlos Machado, construiu-se em 1888 pela Companhia Aliança (a Fundição de Massarelos), tornando-se exemplo de técnicas de manuseamento do ferro. Foi palco de eventos culturais, funcionando como espaço multiusos, até em Setembro de 2010 se tornar a casa do Hard Club - famoso clube de concertos. A adaptação do interior esteve a cargo do arquiteto Francisco Aires Mateus, que criou espaço para espetáculos com mais de mil pessoas.

Metro do Porto - É muito mais do que um sistema de transportes e uma empresa estruturante do espaço urbano. Concebido por Eduardo Souto de Moura, é uma obra de arte premiada internacionalmente, onde estão espalhadas as impressões digitais dos nomes mais luminosos da Escola de Arquitetura do Porto, como Siza Vieira, Alcino Soutinho e Adalberto Dias, entre outros. Quem disse que a melhor maneira de viajarmos entre dois pontos implica andar debaixo de terra?

Miradouro das Virtudes - Era um paredão sobre um rio dito Frio, descido do Carregal até à praia, nesse tempo em que Miragaia mirava, efetivamente, Gaia e em que não havia alfândega no areal duriense. É ainda um rio, mas cor de telha, que desce do miradouro que era das Virtudes, pela benfazeja água da fonte e pela falta que havia delas, virtudes, no aconchego das sombras dos arcos. Acima de tudo, dali abraça-se o belíssimo suicídio do Douro.

Movida na Galeria de Paris - Nas ruas onde só existiam armazéns de tecidos nasceu a movida do Porto. A Rua da Galeria de Paris foi tomada como o centro desta revolução. São agora várias as artérias que acolhem dezenas de bares e muita animação e à da Galeria de Paris juntam-se as Ruas de Cândido dos Reis, Conde de Vizela e a Praça D. Filipa de Lencastre, entre outras, que se enchem de gente que prefere estar na rua a conviver, mesmo com frio, em vez de ficar nos espaços noturnos. Foi a Movida sítio de passarelle e arraial, ainda recentemente, no início do verão de 2014, para a grande noite da apresentação pública das atuais camisolas dos novos equipamentos do F C Porto.



Muralha medieval - Dita «fernandina», a cerca da cidade mandada construir no reinado de D. Afonso IV soçobrou à política de modernização e expansão do burgo protagonizada pelos Almadas (João de Almada e Melo, pai, e Francisco de Almada e Mendonça, filho), nos idos de setecentos. Dos vários vestígios que ainda restam, o mais impressionante é o que está na inexpugnável escarpa dos Guindais.

Museu Nacional Soares dos Reis - O antigo Palácio dos Carrancas é, desde 1940, um museu cuja coleção permanente se baseia em três núcleos: escultura de Soares dos Reis; pintura portuguesa do século XIX e da primeira metade do século XX (com destaque para Henrique Pousão e Vieira Portuense); e faiança proveniente das famosas fábricas de Porto e Gaia. Merecem ainda referência as coleções de ourivesaria, de mobiliário, têxteis e de vidro.

Nossa Senhora da Vitória - Terminada a guerra civil (1832/33), a confraria de Nossa Senhora da Vitória tratou de recuperar a igreja, que sofrera graves estragos durante o Cerco, e encomendou ao grande escultor Soares dos Reis a imagem da padroeira. Mas quando a escultura chegou os da confraria não gostaram da cara da Senhora. Parecia, argumentaram, a de uma vulgar mulher da rua. Foram-se à imagem, cortaram-lhe a cabeça e encomendaram a um santeiro da Maia um rosto mais angélico - o que a imagem ostenta. Comparem-no com o de Soares dos Reis que o pároco da altura guardou e o atual ainda possui. Constatarão que o deste é bem mais bonito.

O Desterrado - Escultura de mármore de Soares dos Reis (1847-1889). Estilo realista, representa um modelo de sexo masculino, nu, sentado sobre um rochedo em que bate uma onda. Proporcionando uma leitura romântica devido ao olhar profundo que o rosto indica, a obra foi iniciada pelo escultor em Itália, em 1872, e concluída em 1879, no Porto. Obra-prima. Faz parte da coleção que leva o nome do escultor.

Paço Episcopal - Onde tudo o que é Porto começou há de tudo à vista, dos elementos medievais aos barrocos. Há o traço de Nasoni na galilé e no paço, há um esplendoroso altar de prata carregado de lenda. Longe vai o tempo em que eram os bispos senhores do burgo, mas há ainda ali, no topo dessa Penaventosa onde a cidade surgiu muito antes de cidade ser, essa sensação de centro do mundo.

Painel Ribeira Negra - Com esta sua notável obra, Júlio Resende quis homenagear a cidade do trabalho e da liberdade. A pintura revela, também, a paixão do artista pela zona ribeirinha ali materializada em algumas das suas personagens mais típicas: as mulheres no seu constante gesticular, a correria dos putos, a briga dos cachorros. Tudo isto emoldurado pela rudeza do granito e envolto nas névoas do rio.

Palácio da Bolsa - Não é por acaso que é o monumento mais visitado do Porto. O majestoso Pátio das Nações, coberto por estruturas metálicas envidraçadas, deslumbra-nos logo à entrada. Construído em meados do século XIX, por iniciativa e a expensas da Associação Comercial do Porto, está vestido por uma fachada neoclássica correta mas severa, e esconde no interior joias como o faustoso Salão Árabe, a antiga sala de audiências do Tribunal do Comércio e uma magnífica escadaria de mármore e granito.

Palácio do Freixo - Esplendorosa moradia barroca, com a frente virada para o Douro, encomendada ao arquiteto italiano Nicolau Nasoni pelo abastado cónego Jerónimo Távora. Após ter servido de armazém a uma fábrica de moagens, os trabalhos de recuperação estiveram a cargo de Fernando Távora, pai da Escola de Arquitetura do Porto e descendente do primeiro dono do palácio.

Palácio de Cristal - O Palácio de Cristal desapareceu (na década de 50, séc. XX, por ideia dum presidente da Câmara… desse tempo). Ficou o nome e os jardins românticos, desenhados pelo paisagista alemão Emílio David há mais de 150 anos. Um espaço de encantamento em todas as estações com japoneiras, tílias, castanheiros-da-índia, araucárias e gingkos entre fontes, estátuas e jardins temáticos como o das plantas aromáticas. O caos portuense fica ao portão.

Parque de Nova Sintra - Reduto de tranquilidade no centro da urbe - área total de perto de setenta mil metros quadrados - deve a sua singularidade à junção de espécies centenárias com fontes e chafarizes. O brasão da Fonte de São Domingos e o Universo de Irene são duas das peças mais valiosas.

Parque da Cidade - O maior parque urbano do país (e único da Europa que vai até ao mar) tem 83 hectares. O arquiteto paisagista Sidónio Pardal veio de Lisboa para desenhar o espaço verde desejado desde os anos 1960. Com a primeira fase pronta em 1993, foi amor à primeira vista. É o recreio da região com relvados onde as crianças jogam à bola, sob o olhar atento dos patos, o pequeno núcleo rural de Aldoar e quase dez quilómetros de caminhos. Em 2002, o Parque desaguou no mar e a popularidade agigantou-se. O carinho dos portuenses pelo espaço verde, distinguido pela Ordem dos Engenheiros como uma das cem obras portuguesas mais notáveis do século XX, é imensurável.

Passeio Alegre - Era a cantareira dos cântaros para ir à fonte, despraiado verde banhado de rio-mar, numa foz ainda sem maiúscula. Pareceu bom poiso aos senhores oitocentistas: dos cântaros fizeram jardim com traçado berlinense de Emile David. Em 1973, nasceu o romântico quiosque. Hoje Chalé Suisso, ainda serve café, tão famoso quanto os sanitários do Passeio Alegre...
Pérola do Bolhão - Queijos, enchidos, bolachas e biscoitos. Tem tudo o que uma mercearia fina deve ter. Abriu em 1917 na Rua Formosa, muito antes de a palavra gourmet entrar no vocabulário dos portugueses. A verdadeira pérola está cá fora: a fachada de azulejos estilo arte nova.

Ponte da Arrábida - Concluída em 31 de Março de 1963, a Arrábida foi a primeira das duas pontes com histórias e marcantes na paisagem que Edgar Cardoso fez no Porto - e que acrescentou à cidade a nova centralidade da Boavista. O tabuleiro assenta num arco grandioso, com 270 metros de vão, que à época foi o maior de betão do mundo, o que levou a que muito boa gente suspeitasse de que a ponte iria cair... o que, como se sabe, não aconteceu.

Ponte Luiz I, mais conhecida por ponte D. Luís - Lançada entre o morro granítico da Sé e a escarpa da serra do Pilar, esta ponte de ferro, projetada por Teofilo Seyrig (colaborador de Eiffel) em 1886, é formosa apesar do seu gigantesco arcaboiço que sustenta dois tabuleiros. O de cima está reservado ao metro e peões, de onde se desfruta de uma vista inesquecível, o postal ilustrado do Porto, já que se domina a Ribeira e se avistam a Arrábida, o casario da Sé e os armazéns do vinho do porto.

Ponte Maria Pia, conhecida também por ponte de D. Maria - A primeira grande obra de Gustave Eiffel foi construída com rapidez. As obras começaram a 5 de Janeiro de 1876 e estavam concluídas a 31 de Outubro do ano seguinte. De extraordinária beleza e elegância («toda em renda de Bruxelas», escreveu Teixeira de Pascoaes), esteve ao serviço durante 115 anos. Está desativada, por ora.

Ponte São João - A Ponte São João, que a 24 de Junho de 1991 reformou a velhinha Maria Pia, foi a última grande obra de Edgar Cardoso, que não desperdiçou a oportunidade para bater o recorde mundial para o maior vão em ponte ferroviária construída pelo método dos avanços sucessivos.

Porto Editora - A editora que se celebrizou ao editar o Dicionário da Língua Portuguesa e a História da Literatura Portuguesa, de António José Saraiva e Óscar Lopes, foi fundada em 1944, no Café Piolho, pelo professor universitário Vasco Teixeira e um grupo de colegas. O fundador morreu em 1987, mas a mulher e os filhos desenvolveram um grupo que tem uma quota de quase sessenta por cento no livro escolar, e, através de uma política de aquisições (Sextante, grupo Bertrand/Circulo de Leitores, parceria com Assirio & Alvim), ganhou a dimensão que lhe tem permitido aguentar a borrasca.

Portugal Fashion - O embaixador da moda made in Portugal nasceu no Porto em 1995, pelas mãos da Associação Nacional de Jovens Empresários (ANJE), e nunca mais parou. O projeto internacionalizou-se, saltando os muros da cidade portuense. Paris, Madrid, Barcelona, São Paulo, Nova Iorque, Istambul, são destinos marcados no passaporte, mas a Invicta é o porto de abrigo. Casa do Farol, Mercado Ferreira Borges e Coliseu do Porto foram alguns dos cenários que já acolheram a iniciativa, mas ultimamente tem sido a Alfândega do Porto a vestir-se de gala para os mais variados desfiles.

Pronúncia do Norte - A haver mal nestas coisas, está nos que presumem ter o poder de definir o que está certo e errado, apoucando o que é diferente, mas nem por isso menos correto. A pronúncia do Norte, como qualquer sotaque, tem razão de ser no próprio advento da nacionalidade e na matriz galaico-portuguesa a montante da Reconquista que engordou Portugal com territórios mouriscos. Na documentação medieval é frequente encontrar palavras como «baca» e afins, apenas porque se escrevia aquilo que se dizia, como se dizia. Trocar os vês pelos bês é isso. É ser verdadeiro desde sempre.

Quarteirão das Artes em Miguel Bombarda - Desde o momento em que as galerias de arte do quarteirão de Miguel Bombarda se uniram, em inaugurações simultâneas, o comércio da zona cresceu. Fixaram-se lojas gourmet, de estilistas, designers, hostels, bares e restaurantes que tornaram popular o chamado Soho do Porto. Nas inaugurações simultâneas das galerias de arte, as ruas enchem-se de música e festa e há animação durante toda a tarde. 

Rio Douro e a névoa azulada - O Douro na névoa. Há manhãs em que o Porto acorda sem Sul, numa viagem nublada da qual só conseguem espreitar as mais atrevidas alturas. O tabuleiro de bilros da Ponte Luiz I ou das irmãs de betão. O Mosteiro da Serra do Pilar, tímido, o morro da Sé, tem dias. Os Clérigos, lá longe. Atravessar o Douro é sentir-se um D. Sebastião a entrar num manto de Porto que é da cor que o olhar entender ver nele. Azul, dirão uns. Cinza-branco. Ou amarelo-pó, no prenúncio matinal de uma canícula.

Rivoli - Júlio Brito desenhou-o, Henrique Moreira adornou-o e Rui Veloso imortalizou-o, emocionando a nação lusa com as palavras do portista Carlos Tê sobre as desventuras de um jovem que, por amor, abdicou de um anel de rubi e acabou sozinho num concerto do Rivoli. A sala de espetáculos, nascida nos anos 1920 e transformada em palco municipal na década de 1970, conheceu de tudo numa vida de altos e baixos: ópera, concertos, dança, teatro e até cinema. Hoje serve, sobretudo, o teatro e é casa do maior festival de cinema fantástico do país: o Fantasporto.

Ruas e vielas do centro histórico - A sombra de um gato vadio na triangulação de luz que os telhados desenham sobre o granito puído, a irracional paleta de cores que trepa paredes, uma mesa de cozinha, uma cama com gente a contar dias nela, uma soleira a debitar vidas. Havia milhares de maneiras - tantas quantas as vielas e ruas e escadas - de contar o burgo de onde houve nome Portugal. Desceu da Pena Ventosa, monte dos vendavais à moda do Porto. E fez-se património irrepetível. Material e imaterial.

= Brasão com as armas da cidade do Porto, que encimam inclusive o distintivo do F C Porto...

Ryanair - Melhor aeroporto do mundo na sua categoria, o Sá Carneiro deve em boa parte à Ryanair a sua sobrevivência após tentativa de assassínio perpetrada pela TAP ao retirar-lhe a esmagadora maioria das ligações diretas, centralizadas em Lisboa. A companhia low cost irlandesa liderada por Michael O'Leary inundou a região de turistas e garante ao aeroporto ligações diretas para mais de trinta destinos e o número de passageiros a duplicar, para mais de seis milhões, em menos de sete anos.

São João - Nesta noite, o Porto é todo igual. A energia do São João é poderosa e a sua noite envolve os que saem à rua num doce embalo de esperança. É ao mesmo tempo uma gargalhada de gozo e um suspiro de amor, que os portuenses, generosos, partilham com quem vier por bem. As tradições do passado são sempre renovadas na longa madrugada de 23 para 24 de Junho. 


São os martelos e o alho-porro nas cabeças, as cascatas construídas por mãos cada vez mais enrugadas, os carrosséis nas Fontainhas e os concertos em Miragaia, os solidários arraiais de bairro, os balões como estrelas e a apoteose do fogo-de-artifício à meia-noite, com dois palcos: o céu mais o rio Douro a dar-lhe espelho. 

Subterrâneos - Os antigos túneis que abasteciam de água os chafarizes e fontes da cidade começaram a ser construídos no século XIII e deixaram de ser usados no século XIX. Hoje, as galerias exíguas e húmidas, vinte metros abaixo do solo, são um labirinto de mistério e tesouros.

Teatro Nacional São João - Além da bela fachada amarelo-ocre (que em 2014 voltou ao original, com partes de côr granítica), o que mais apaixona neste edifício de Marques da Silva são as figuras alegóricas da Dor, Bondade, Ódio e Amor que o ornamentam, bem como o seu portentoso interior.

Toponímia - Através da toponímia do Porto podemos ficar a saber mais sobre a evolução geográfica, económica e cultural da cidade. Alguns nomes de ruas e largos marcam o caráter rural do sítio: Olival, Moinho de Vento, Souto, Campinho, Moinhos, Póvoa, Regadas. Outros assinalam lugares à beira-rio ligados à vida marítima e ribeirinha: Ribeira, Banhos, Cantareira, Boa Viagem. Há ainda os nomes que nos remetem para antigos ofícios: Bainharia, Caldeireiros, Pelames, Mercadores, Canastreiros, Corticeira. Os feitos heroicos dos portuenses também estão assinalados, nomeadamente aqueles que ocorreram durante o Cerco: Heroísmo, Firmeza, Bataria ou Bataria da Vitória, Alegria. Os santos da devoção popular não foram esquecidos: São João, São Lázaro, São Sebastião, São Roque, Santa Catarina. E há os nomes de escritores. Mesmo dos que, muito provavelmente, não se sabe se estiveram no Porto, como deve ter sido o caso de Camões. Depois: Camilo, Herculano, Eça, Júlio Dinis, Antero de Quental, Guerra Junqueiro, Gil Vicente. Os políticos chegaram depois da vitória do liberalismo e ainda não pararam: Rodrigues de Freitas, Fernandes Tomás, Alves da Veiga, Alferes Malheiro. E mais modernamente: Sá Carneiro, Humberto Delgado, Virgínia Moura e Artur Santos Silva.

Torre dos Clérigos… - ícone autêntico, símbolo, que sobressai acima de todo o casario e dispensa muitas palavras de apresentação, pois ao povo basta que é vista de qualquer ponto do centro da cidade e ao longe, mesmo. Durante muitos anos foi a mais alta torre da cidade, com seus 76 metros (atualmente apenas suplantada pelos edifícios Torre das Antas e Torre Foco, com 85 metros de altura).

Treze a rir uns dos outros - Surpreendente conjunto escultórico do espanhol Juan Muñoz - a sua derradeira obra, pois morreu, prematuramente, logo a seguir - nos Jardins da Cordoaria. São quatro bancadas, com 13 figuras de feições chinesas, em grupos alegres de conversadores, em posições inesperadas. Um deles cai para trás, não se sabe se empurrado ou desequilibrado pelo riso.

Tripas à moda do Porto - A verdade é que feijoada com estômago de bovino - as tripas, ou a dobrada (Álvaro de Campos cometeu o pecado capital de escrever «dobrada à moda do Porto», mas tem perdão por ser Fernando Pessoa) - é coisa que se faz noutros países, mas não com o apuro que lhe dão os tripeiros, pois é a própria identidade que reconstroem de cada vez que a panela vai ao lume. Ser tripeiro, diz a lenda que pelo contributo dado pela cidade à frota que partiu à conquista de Ceuta, em 1415, é motivo de orgulho.

Universidade do Porto - É um viveiro de ministros - dela saíram vários, como Teixeira dos Santos, Miguel Cadilhe, Arlindo Cunha, Santos Silva, Elisa Ferreira, Daniel Bessa e Valente de Oliveira - e foi a primeira universidade portuguesa a entrar no Top 400 do mundo. O reitor José Carlos Marques dos Santos, no segundo mandato, implementou Bolonha, agilizou a gestão e pôs a força motriz da instituição na produção de ciência de gabarito. A Universidade do Porto tem glórias no passado, no presente e no futuro. Sublinhe-se o prestígio da sua Faculdade de Arquitetura, a casa de Souto de Moura e de Siza Vieira, e dos seus figurões da biologia e investigação médica, como Alexandre Quintanilha e Manuel Sobrinho Simões. Continua a construir-se uma aposta sólida na internacionalização (11 por cento dos seus 31 mil estudantes são estrangeiros), na investigação de ponta, com a engenharia sempre em destaque e, mais recentemente, com os polos dedicados ao mar e à agricultura. A sua marca de sempre, a ligação à vida empresarial, é feita a par do investimento na sua Business School, que subiu, este ano, vários lugares no ranking Financial Times.

Uso e abuso do vernáculo - Por mais que se procure por essa Europa fora, não é fácil encontrar uma cidade com as caraterísticas das do Porto. Sem temer o exagero, pode dizer-se que é única no mundo. Fez-se pelo rio e por uma intensa atividade mercantil. Ainda hoje o portuense não perdeu o ar apressado dos seus antepassados que viviam do comércio e dos negócios. Mas é errado pensar que vivem absorvidos somente na mira dos lucros ou que em livros se interessem apenas pelo do Deve e Haver. Para além da vida dos negócios, o homem do Porto distingue-se ainda pelo seu modo peculiar de viver e de conviver e pelo acento áspero que coloca no modo de falar que às vezes se traduz naquele vernáculo que faz corar as pedras da calçada...

Vista do Porto - A unanimidade nem sempre é consensual e a prova disso é a escolha do local de onde se pode desfrutar da melhor vista do Porto. Toda a gente é unânime em dizer que é de Gaia, mas depois não há consenso relativamente ao sítio exato. Hipóteses fortes: descida de General Torres, Cais de Gaia, varandas do The Yeatman, esplanada do Arrábida Shopping, Cabedelo... O melhor é experimentar todas...

E… uma outra, ainda que não referida no rol normalmente indicado (como alguém lembrou, entretanto, publicamente) - a Invicta tem mais uma outra particularidade: o facto da numeração das casas ter correspondência a metros (medida), algo que facilita a vida na procura das casas, nos números de portas. Assim, por exemplo, o nº 679 corresponde aos 679 metros de distância desde o início da rua. Não se conhece outra cidade com esta faceta, de estarem marcados os metros e não as propriedades. Pelo menos até estes tempos. Não há conhecimento público de quem teve a ideia especial, mas possivelmente deve ter sido em tempos alguém na Câmara… presume-se.
O que, comparativamente, se repara ser noutro sentido sobremaneira em Felgueiras, transportando mentalmente para o concelho de Felgueiras, no nosso caso - onde nunca se entendeu, na opinião pública, ao nível do comum munícipe, pelo menos nalgumas freguesias, senão por todo o território concelhio, o porquê da grande diferença de numeração existente. Como ficou desde que foi implementada num dos mandatos de Fátima Felgueiras. E continuou depois, ainda. Quanto acontece de, por exemplo,  uma porta, casa ou lote, ter uma numeração deveras distante, com grande diferença entre si, para o sítio do lado ou em frente, respetivamente… como sabemos.

Armando Pinto

Obs.: A propósito, recorde-se um anterior (clicando em)  Passeio pelo Porto-Cidade...

A.P.