Espaço de atividade literária pública e memória cronista

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Apologia ao “Presépio”, no Semanário de Felgueiras


Na sensibilidade da quadra natalícia, escrevemos para o Semanário de Felgueiras, na habitual crónica, desta vez, sobre o tradicional Presépio, das mais eruditas ilustrações comemorativas do Natal. 

Dessa crónica publicada no Semanário de Felgueiras, eis aqui, de seguida, o recorte da respetiva coluna incluída na página 12 da edição impressa do SF desta sexta-feira 21 de Dezembro.

(Clicar sobre este recorte digitalizado, para ampliar e ler) 

Do mesmo, para mais fácil leitura, colocamos o texto revertido conforme o original datilografado: 

Presépio de Natal 

Aí está a chegar o Natal, em mais um tempo de interiorização, no regresso à idade de sonhos da nossa meninice, como afinal deixamos nossos pensamentos voar e pousar como pomba sobre ramo, da árvore que nossa alma mantém viçosa. Uma época de apego a símbolos, quando deixamos fluir os mais belos sentimentos, porque a vida deve ser mesmo vivida. 

Há sempre lembranças e saudades de tempos antigos, quando o Natal era mais apreciado em todo o seu esplendor, nas recordações de cada um. Numa época em que, por exemplo, nos sítios das andanças do autor, havia sempre um presépio montado em cada loja comercial da Longra, por exemplo, assim como em muitas habitações, indo nós, nas rodas de amigos de passatempos, em visitas como quem passa por capelinhas, ver e comparar os presépios que se viam então nesses e outros estabelecimentos públicos, bem como nas casas de alguns colegas, cotejando a disposição do musgo, o papel sarapintado a imitar pedras, as imagens se eram mais ou menos bonitas e perfeitas, as pequenas velas presas aos ramos por molas de ferro ou as lâmpadas que começavam a revezar tais luzes tradicionais…. Enfim, num sem número de pormenores que eram maiores a nossos olhos, num encanto que o Natal transmite. 

Na vida dos povos sempre ocasiões houve mais propícias a manifestações do chamado divino, na maneira de sentir e viver, sendo a quadra natalícia um encontro atrativo. A pontos do próprio rifoneiro tradicional ter traçado o Natal como meta em diversos aspetos, a começar no enquadramento e previsão meteorológica. Tal foi sendo valorizado na sabedoria popular, que “dos Santos ao Natal (o crescimento do dia) é um salto de pardal”, enquanto em meteorologia “dos santos ao Natal é inverno natural”, quão “dos santos ao Natal ou bem chover ou bem nevar”, e por aí adiante ficou apontado em ditados populares. Tal como noutros sentidos representa um lugar referencial. 

Na importância que acaba por se atribuir a esta quadra e suas representações, há efetivamente um carisma especial por quanto possui caraterísticas únicas, mercê dos laços da tradição. No calor humano sentido, afinal de contas, em tal festa da família por excelência e tudo o que o se relaciona à envolvência, pese as alterações que vão surgindo nas transformações do tempo, mas contudo com alguma fidelidade a tradições provindas de eras antepassadas. De quanto sobressai ainda na vivência do calendário em terras do interior nortenho. É a ceia da consoada natalícia, momento magnífico da convivência familiar, a missa do galo, nas paróquias onde ainda tem lugar, mais a cerimónia do Beija-Menino nas missas da noite e do dia, e tudo o mais, sem olvidar a sentida evocação dos ausentes, como acaba sempre por aflorar nas conversas de recordação… Ah, e o efeito do repique dos sinos, o reflexo das luzes que cintilam na árvore e mesmo em torno do presépio...


Ora o presépio, hoje já arredio de muitas casas e mais sítios, foi em tempos uma presença tradicional muito significativa. Construído dos mais variados feitios e gostos, levanta-se na figuração da lapa de Belém, como ilustração da natividade daquele Menino nascido no oriente, num humilde estábulo, segundo a tradição antiga. E adorado desde logo por todos os que tiveram conhecimento de tal facto divino, quando aconteceu há cerca de dois milénios nos arredores daquela Belém da Judeia que há muito é falada nas igrejas através das sagradas escrituras. Presépio que extravasa o musgo que exemplifica a natureza ambiental, sobreposto por ornamentações, quais arremedos de morros, caminhos e rudes construções, ao sabor da inspiração e engenho pessoal da feição respetiva, sem descurar gostos etnográficos e ar plebeu, na religiosidade tradicional. Pois o presépio encadeia, afinal, um quadro temático de horizonte emblemático, encerrando algo da sensibilidade natural, de quanto o nascimento de Cristo detém lirismo peculiar, na necessidade humana de amplitude e transfiguração. Sendo o presépio como que o coração poeta do povo a embalar os mais íntimos desejos. 

 Armando Pinto