Espaço de atividade literária pública e memória cronista

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Conto dum Destino – Deixando falar palavras escritas, em artigo no SF…


Seja permitido, desta feita, que deixemos falar algo íntimo, pela escrita, expressando celebração personalizada. Na extensão da vida, como dizia Bob Dylan numa célebre canção, cuja resposta flutua no vento. Em sentido emblemático de percurso do caminho existencial, tal como aludia esse canto referido ("Blowin' ind the wind": Soprando ao vento), tornado hino adotado pela juventude dos anos 60's, a pontos de ter merecido diversas traduções e adaptações, inclusive em cânticos litúrgicos. Na interrogação do que deve um homem andar até conseguir viver algo especial, como quanto tempo tem de passar antes de poder dignamente repousar de bem com a vida. Transportando para aqui num contexto de paz e harmonia. E aí, lá vem a resposta a flutuar no vento, sim, vindo na leveza dum sopro de vento, voando até pousar... e se poder contemplar.


Ora então, na força que pode ter a simbologia das palavras, em alimentação humanizante das relações afetivas, damos especial ênfase pessoal ao afeto sentido através duma maneira narrativa, para deixar voar sentimentos ao sabor da escrita. Que foi e é o que fizemos, desta vez, pela transmissão em forma de conto. Como passamos à prática, pela via descritiva, qual oportunidade de mais uma contribuição publicista na colaboração ao periódico mais regular de Felgueiras. 

Desse artigo, transmitido em forma de conto, deixamos aqui também mensagem, dando nota da respetiva coluna publicada na edição do jornal Semanário de Felgueiras desta sexta-feira, 26 de Outubro, à página 12..


(Clicar sobre o recorte digitalizado, para ampliar) 

Do mesmo, para mais fácil leitura, acrescentamos transcrição do texto original: 

Conto dum Destino 

Cada um de nós tem seu abrigo, onde nos resguardamos, qual recanto em nosso íntimo, como gruta de lugar de encontro e deleite. Onde e com quem expandimos o que anda cá dentro, dando largas ao que é connosco. 

Assim, no meio disso tudo, há sempre alguém que nos toca e nos faz perceber melhor a vida, do que fomos e somos. 

Ora… Estando agora na pele de avô, penso sempre no meu neto. Como parte de mim mesmo. Um neto muito desejado. Penso que há muito o ansiava, parecia que há muito o esperava. Recebido depois num aperto bem aconchegante, enleando-o nos meus braços, enquanto ele mal conseguiu mexer-se já era todo de braços estendidos ao avô. Um rosto de criança puro e lindo, coroado num bonito cabelo, como ouro sobre azul. E em seus traços um destino: quanto quero a este meu menino! 

No primeiro momento que o vi diante dos olhos, foi como um dia risonho e belo que vemos ao amanhecer, de felicidade. Virando o meu mundo. Tudo voltou a ter novidade e interesse. 

Dotado de maneiras cativantes, muito inteligente e de grande memória (então não se esquece de nada, mesmo daqui destes ares nortenhos que só sente espaçadamente!), até bem falador e então sempre com o avô na boca e demais sentidos, expressando-se com desenvoltura, é tudo o que gostaríamos de ter sido e queremos que ele seja pela vida fora, com sucesso. Revelando desde muito pequeno sua personalidade vincada, sem deixar as coisas pela metade. Quanto lembra o caso de ele, ao meu colo, estar a chamar a atenção ao gato do vizinho dum andar de cima, olhando para a varanda cimeira desde o terraço do nosso apartamento da Longra. Ele que gosta de animais e de fazer festas a cães e gatos, quando pode e eles estão pela conta. Embora a sua maior atenção, nestes tempos de criança até aos dois anos e pico, seja de querer ver as portas articuladas das garagens a subir e descer, pelo fascínio do movimento, puxando o avô pela mão sempre que pode assistir a uma dessas aberturas, “ábrir”, como proclama no seu falar. 

Pois de uma das vezes em que procurava chamar o tal gato, numa das primeiras experiências para deixar a chupeta, a avó tinha experimentado dizer que atirou a chupeta ao gatito e ele ficara com ela. Muito na sua boa disposição, o Gonçalo não acusou logo o toque e foi continuando a tentar conversar, à sua maneira, chamando o gatinho com falas mansas e sons labiais apropriados. Só que, passado algum tempo, vendo que lá de cima não vinha nada e muito menos a chupeta, não esteve com meias medidas e, em vez de sussurrar por gatinho (qual gatinho qual quê, qual carapuça?!), passou a outro tom já, para se fazer ouvir, chamando fortemente, decidido e já sem meias medidas: Ó gátooo…! (Como quem diz, olha a ver se queres…! E o certo é que, entre sorrisos graciosos, pela piada da reação, a chupeta voltou a aparecer.) Olha se não…?!

© Armando Pinto